Qualidade do ensino superior no País

17 de Setembro de 2020

As constantes mudanças da tutela têm afectado negativamente a qualidade do ensino superior no País, provocando rupturas nos ganhos conquistados desde a proclamação da independência nacional, em 1975, considera o académico e Chanceler da Universidade Politécnica, Prof. Doutor Lourenço do Rosário.
O ensino superior era tutelado pelo Ministério do Ensino Superior, Ciência e Tecnologia, criado no segundo mandato do Presidente Joaquim Chissano, que culminou com a criação de institutos superiores politécnicos em diversas províncias, a transformação do Instituto Superior Pedagógico em Universidade Pedagógica, bem como o surgimento das universidades Zambeze e Lúrio.
Entretanto, com a eleição do Presidente Armando Guebuza, em 2004, o Ministério do Ensino Superior, Ciência e Tecnologia é extinto, sendo o ensino superior reintegrado no Ministério da Educação. Nesse período, verificou-se, também, a modificação da Lei do Ensino Superior, de modo a proporcionar o surgimento exponencial de instituições, em todo o País, com a justificação de que a “quantidade traria, com o tempo, a qualidade”.

Já em 2014, com a eleição do actual Presidente, Filipe Nyusi, a tutela foi retirada do Ministério da Educação e reposta no (actual) Ministério da Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico-Profissional. Porém, os quadros de chefia para o ensino superior permaneceram no Ministério da Educação, tendo-se, por isso, perdido a dinâmica que se vinha encetando.
Por isso, afirma o Prof. Doutor Lourenço do Rosário, “a questão da qualidade foi assimilada como sendo matéria administrativa, criando-se um clima tenso entre a tutela e as instituições de ensino superior. Os órgãos científicos de pares deixaram de poder decidir autonomamente sobre matérias científicas e pedagógicas”.
“A nova Lei do Ensino Superior retirou peso ao Conselho de Reitores, instrumentalizou o Conselho Nacional do Ensino Superior e transformou o Conselho Nacional de Avaliação da Qualidade do Ensino Superior (CNAQ) num instrumento de fiscalização burocrática, mais do que científica”, acrescentou.
Em jeito de conclusão, o académico defendeu a necessidade de o ensino superior reconquistar o seu peso no espaço académico e transformar-se cada vez mais numa voz activa na sociedade, podendo influenciar as grandes decisões traçadas para o bem-estar da nação.
O Prof. Doutor Lourenço do Rosário foi um dos oradores da primeira Conferência “Celebrar a Universidade, Perspectivar o Ensino Superior no Século XXI”, organizada na segunda-feira, 14 de Setembro, no âmbito da celebração dos 25 anos da Universidade Politécnica. A sua apresentação teve como tema “Universidades Moçambicanas, Meio Século Depois: Ganhos, Rupturas e Desafios”.
O Mestre Danilo Parbato, outro orador da Conferência, quadro do Ministério da Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico-Profissional com mais de 20 anos de trabalho no ensino superior, 15 dos quais na gestão de meios de apoio financeiro às instituições do ensino superior.
Na sua apresentação, o Mestre Danilo Parbato defendeu a necessidade de o País apostar no ensino à distância para permitir maior acesso ao ensino superior (sem descurar o factor qualidade), uma vez que a actual taxa (de acesso) situa-se nos cinco por cento (5%), de acordo com dados do Banco Mundial e da UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.
Moçambique tem um total de 53 instituições de ensino superior, e aproximadamente 240 mil estudantes, “um número relativamente pequeno pois em termos de ideologia, desde 1975, a nossa luta é expandir e massificar”.
Conforme explicou o Mestre Danilo Parbato, a pirâmide etária indica que mais de 50% da população moçambicana, ou seja, 12.500.000, tem idade inferior a 19 anos. Destes, somente 156.789 têm o ensino pré-universitário (secundário ou técnico) concluído, isto é, pouco mais de 10%.
“A questão é: quantos destes estão no ensino superior? Somente 44.541. Temos capacidade de ingresso nas instituições de ensino superior, sim, mas perante as necessidades do País ainda há muito por fazer”, sentenciou o Mestre Danilo Parbato.
Ainda no que diz respeito ao baixo nível de acesso ao ensino superior, o filósofo e Reitor da Universidade Técnica de Moçambique, Prof. Doutor Severino Ngoenha, afirmou ser importante continuar a apostar na massificação, ajustada à realidade moçambicana, através da abertura de mais instituições públicas e privadas, e da introdução de mais cursos.
Nas suas palavras, “depois de uma massificação – necessária -, o Ensino Superior tem o imperativo de continuar a crescer, mas, ao mesmo tempo, o desafio de acrescentar uma melhor qualidade, não no sentido dos rankings internacionais, mas de um maior envolvimento com a sociedade Moçambicana”. E esse envolvimento deverá ser e saber criar um ensino de qualidade que seja útil e aplicável em Moçambique.
Já foi realizado algum trabalho, entretanto, “Estamos muito longe de massificar o ensino superior no País. Temos de normalizar o acesso (ao ensino superior). Hoje em dia, nos países que são tidos como líderes da economia mundial o ensino superior tornou-se normal, é o caminho de acesso à vida profissional, o que permite uma maior progressão das suas vidas”. E a universidade não pode apenas formar profissionais para o mercado do emprego. Deve investir, também, para que os que a frequentam, para além de “saber fazer” e de “saber estar”, “saibam ser”, sublinhou o filósofo.
Para o Prof. Doutor Severino Ngoenha, é necessário, ainda, adoptar mecanismos que façam do estudante um autodidacta e o centro da formação, em que o protagonista deixa de ser o professor. Para tal, “há que transformar os meios de lazer [os telemóveis e os computadores] em instrumentos pedagógicos”.

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